Apreensão | Ivan H. Schuster

Sou pelotense, jamais neguei isto, mas não gosto de Pelotas. Melhor dizendo, não gosto como Pelotas é ou, ao menos, como Pelotas está. Acho que tem um potencial para ser muito mais. Falta, a nós, pelotenses, ambição, projeto e cooperação na implementação de novos e melhores rumos. Falta-nos olhar para além da Ponte do Retiro, como alguém sabiamente já mencionou.

Lembro de como nos orgulhávamos de termos a melhor água(com flúor!), a melhor rede de telefonia(saudosa CTMR), o melhor carnaval(na 15), as indústrias de pêssego, os engenhos de arroz e tudo mais. E falo de passado recente. Se formos mais atrás, veremos que éramos os tais. Éramos. Certa feita, fomos assunto em um caderno da revista Manchete – importante à época – com sendo a cidade mais promissora do sul do Brasil. Uma espécie de novo El Dorado. Erraram, e feio.

Por incrível que pareça, existem muitas pessoas que acreditam piamente que Pelotas ainda é a segunda cidade do Estado, que somos um importante polo econômico e tal e cousa. E por assim pensarem, acham que como está, está bem. Que o rumo é este. Que está tudo certo. O fato, é que nem precisa ir longe. Basta andar um pouco pelo interior do Estado, que se observa fácil o quão para trás ficamos. Inovar é preciso.

Na época da ditadura militar foi cunhado um slogan que dizia: “Exportar é o que importa”. Acho uma frase interessante, apesar da origem, porque explica de forma simples que para se obter riqueza é necessário vender para fora do seu meio. Sair fora da casinha, no bom sentido. Da mesma forma que uma família não consegue gerar riqueza dentro de si mesma – é necessário que se venda para outros algum produto produzido ou que se arrume um emprego fora – uma cidade, estado ou país também precisa buscar recursos externos. Por exemplo, se a indústria de doces de Pelotas vendesse somente para a população da cidade, não geraria riqueza, pois o dinheiro estaria apenas mudando de mãos, passando do cidadão pelotense consumidor para o cidadão pelotense produtor. A riqueza se daria a partir do momento em que os doces, de alguma forma, proporcionassem que pessoas de fora (mercado externo) comprassem produtos ou serviços relacionado a eles. A Fenadoce, por exemplo, proporciona isto.

Acho que a cidade possui muitos atrativos a serem explorados. Temos um potencial turístico enorme, por exemplo. Temos história para contar, locais históricos interessantíssimos para mostrar, boa culinária, bons serviços e uma praia de rara beleza, apesar de muito mal tratada e pessimamente explorada. Nos EUA e Europa tem cidade com muito menos atrativos que a nossa, faturando alto com turismo. Não, ainda não sonho com europeus ou norte americanos vindo visitar Pelotas, mas temos um bom potencial para o turismo doméstico ou para turistas provenientes do Mercosul.

Na minha modestíssima opinião, um dos maiores problemas que temos é o fascínio pelo fracasso. Dificilmente uma nova idéia ou projeto recebe incentivo ou aprovação quando apresentado, por melhor que seja. A frase que mais se houve é “não vai dar certo”. Depois, ficam todos torcendo contra, para no fim dizer: “Eu não falei?”. Se por um acaso o projeto evoluir e prosperar, certamente foi por pura sorte ou alguma falcatrua.

Lembro-me de, há uns 5 anos, ou mais, ter ido assistir a uma apresentação do Tholl no colégio dos meus filhos aqui em Porto Alegre. Saí de lá maravilhado. Maravilhado e surpreso. Fiquei imaginando como em Pelotas teriam conseguido produzir um espetáculo com aquela qualidade. Que força estranha não deixou afundarem o projeto no seu berço? Mistérios da vida. A realidade é que fizeram, e fazem, um espetáculo com padrão internacional. Há esperança, afinal.

Neste final de semana, tive o prazer de ir assistir a uma roda de samba no Mercado Central. Samba mesmo, samba de raiz. Segundo fui informado pelo meu amigo Tauê Azevedo – grande percussionista e Torcedor Xavante dos bons – o Grupo Renascença(este é o nome) reune-se um final de semana sim e outro não, das 18h às 21h, dentro do Merquê, pelo simples prazer de tocar. A PMP apoia com a parte da aparelhagem de som e segurança. Óbvio que já tem corneta rolando solta. Mas a verdade é que o Mercado Central está muito legal e este evento é tudo de bom. Está aí algo a ser incentivado, promovido e melhor explorado. Bem bom, de verdade.

Escrevi até aqui para dizer que estou apreensivo com o projeto para o novo Bento Freitas. Não é assunto novo que precisamos de um novo estádio. Já precisávamos de um antes dos ocorridos. Tenho ouvido atentamente as manifestações oficiais, as quais ainda carecem de um detalhamento que permita uma melhor análise. Também tenho escutado vários comentários que vão desde a tradicional corneta (não vai dar certo, só acredito vendo, …), até alguns sobre a existência de projetos paralelos ou alternativos ao apresentado, e outros de movimentos contrários a tudo.

Enfim, Pelotas no seu melhor estilo.

Abs.

Em tempo 1: antes de me acusarem de traidor, de filho ingrato, de comer e virar o cocho, de ter abandonado a cidade e ainda ficar criticando(conheço o discurso), informo que além do Xavante e familiares da minha esposa, que fazem com que eu visite a terrinha com certa frequência, sou sócio fundador de uma empresa com clientes em diversos estados do Brasil e que tem sua sede aí mesmo, em Pelotas/RS. Considero-me um otimista incorrigível.

Em tempo 2: parabenizo a direção, funcionários, comissão técnica, atletas e a torcida do Glória da Vacaria pela conquista do título da Divisão de Acesso ao Gauchão. Sejam bem vindos ao que chamam de “Elite do Futebol Gaúcho”. Pelo menos chamavam. Agora o bom deve ser chafurdar no esterco. Sinto pelo São Gabriel, que mostrou ter uma equipe de altíssimo nível, pois surrou inapelavelmente equipes que já conquistaram todos os títulos possíveis. É a vida. Força!