Aquele aperto no peito voltou

Por Marcelo Barboza

Era para ser apenas mais uma terça-feira na vida de todo torcedor Xavante, na expectativa de saber se Diogo Oliveira seguiria no clube ou não, saber se Rogério Zimmermann teria a sua renovação de contrato anunciada ou não, ou qualquer outro tipo de notícia vinda do Bento Freitas, após o término da Série B.

Mas não, recebemos essa paulada do acidente da Chapecoense na Colômbia. Tentando raciocinar sobre o que havia acontecido, a lista de vítimas era gigante e eu não sabia mais se aquilo era real ou um pesadelo. Aos poucos a ficha foi caindo e reviver aquela noite de 15 de janeiro de 2009 foi inevitável.

Lá em 2009, lembro de ir desligar o computador perto da meia noite mas antes fui dar uma espiada no falecido Orkut. Lá entrei na comunidade da torcida Xavante e tinha um post dizendo “acidente com o ônibus do Brasil”, mas nenhum comentário. O post era recente. De início achei que era zoeira, mas mesmo assim resolvi esperar um pouco e ver se surgia alguma notícia. Aos poucos as informações foram chegando e então liguei nas rádios de Pelotas para ouvir que era apenas um pequeno acidente, sem maiores problemas. Pronto. Ali começava uma madrugada sem fim.

As notícias iam piorando a cada minuto, pois surgiam os boatos de que haviam vítimas fatais. O MSN começou a chover de mensagens. Eram outros iguais a eu buscando boas notícias. Quando se confirmou que pessoas haviam morrido, o pavor e o aperto do peito foi aumentando. Quando lá por volta das 3 horas da manhã o Tiago, irmão do assessor de imprensa do clube na época, me comunicou via MSN que um dos que haviam morrido era o Claudio Milar. Obviamente eu não acreditei. Mas ele dizia que havia acabado de falar com o irmão dele e estava confirmado. Pouco tempo depois as rádios confirmavam e informavam que Régis e Giovani também tinham partido. Fiquei em estado de choque, há mais de 800km de Pelotas, sem poder fazer nada. Apenas chorando no quarto do computador, copiosamente, até as 7h da manhã, quando criei coragem para ir para a cama.

Uma semana antes do acidente eu estava de férias em Pelotas e fui na casa do Milar, junto com Daniel Brahm, aqui do blog, pois o Daniel estava por fazer o site do Castelhano. Jantamos com ele e sua família e levei algumas camisas para ele autografar. Entre as camisas, estava a que ele usou no Acre, naquele fatídico jogo contra o Rio Branco onde deixamos o acesso à Série B escapar em 2008. Camisa essa que foi a última que ele usou em jogos oficiais pelo Brasil. O Castelhano contou muitas histórias do tempo de Polônia e bastidores do Brasil. Naquele dia me senti realizado. Meu ídolo era um cara sensacional. Dias depois, meu ídolo nos deixava.

Relato isso porque hoje milhares de pessoas tiveram esse mesmo sentimento. Obviamente que o acidente com a Chapecoense foi em proporções muito maiores, mas o sentimento de perda é igual. Hoje todos nós Xavantes tivemos esse aperto no peito como tivemos em 2009. Falo como torcedor de futebol, que vive o dia a dia do Brasil mesmo morando longe de Pelotas. Quando tu escolhe um time de futebol para torcer, aquilo começa a fazer parte da tua vida de forma muito intensa. Aqueles jogadores que vestem a tua camisa, são parte da tua família. Uma hora tu ama, outra hora tu odeia, assim como o teu irmão mais novo. Aí do dia para a noite, às vésperas de um Gauchão ou de uma final de Sulamericana, tu acorda sabendo que eles não irão mais te representar. É um vazio absurdo.

O Brasil tinha tudo para acabar em 2009. O elenco montado estava dilacerado. Como aqueles jogadores iriam rodar o Rio Grande do Sul novamente embarcados em um ônibus? Muitos dos jogadores tiveram que abandonar suas carreiras por conta do acidente. Promessas de ajuda surgiram de todos os lados. Todos diziam que ajudariam o “pobre” Brasil de Pelotas. Tá bem. Dias depois estava o Brasil indo pro jogo praticamente com todos os jogadores que estavam dentro do ônibus naquele 15 de janeiro. A grande Federação Gaúcha fez o Brasil jogar de dois em dois dias, com jogos espalhados por todo o Rio Grande do Sul, pois o campeonato já havia começado sem nós. Jamais cogitaram em dispensar o Brasil de rebaixamento naquele ano ou até dispensa-lo da disputa do campeonato. Surgiu um mísero patrocínio de um lado, uma esmolinha do banco do estado de outro, e acharam que um clube do tamanho do Brasil poderia sobreviver à médio/longo prazo com essas migalhas. Nos jogaram na jaula dos leões e nós que nos virássemos. Acabou com o rebaixamento do Brasil para a segunda divisão do Gauchão e um futuro obscuro pela frente.

Hoje outros clubes do país já falam em empréstimos de jogadores e outras formas de ajudar a Chapecoense. Torço muito, do fundo do meu coração, para que isso aconteça. A Chapecoense não merece passar por tudo que passamos. O clube catarinense vem de um crescimento monstruoso nos últimos anos, fruto de muito trabalho, e não merece ser abandonado depois de uma tragédia desse tamanho. O Brasil sobreviveu porque a torcida abraçou o clube, como sempre. E assim a torcida da Chapecoense também fará, tenho certeza. Hoje o Brasil está na Série B do Campeonato Brasileiro, onde recuperou a sua dignidade. Deixamos de ser o “Brasil de Pelotas, aquele do acidente”, para ser o Grêmio Esportivo Brasil, aquele clube que cresce ano a ano e tem uma das torcidas mais fanáticas do país.

Eu sempre evito em falar do acidente do Brasil. Ainda me faz mal e acho que sempre irá fazer. Hoje tenho um grande amigo que ainda trabalha no clube e estava dentro do ônibus naquela noite de 2009, porém jamais tive coragem de conversar com ele sobre aquela noite. E jamais farei isso, por mim e por ele.

O que peço aos torcedores catarinenses é que abracem a Chape, ela precisa de vocês. Recomeçar não é fácil, mas lembrem-se que anos atrás vocês não estavam em nenhuma divisão do futebol nacional e ninguém acreditava em vocês, a não ser vocês mesmos. Como diz o Mauro Cezar, comentarista da ESPN: “Duas certezas: futebol é a melhor invenção do homem e melhor do que vencer é ter um time pelo qual torcer”.

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