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#Voltaremos (de cabeça inchada) | Ivan H. Schuster

Reza a lenda, que há muitos e muitos anos, havia um povo azul e amarelo que era conhecido pela sua soberba, inveja e devaneios. Calcula-se que eram portadores de uma má formação genética. Suspeita-se de um vigésimo quarto cromossomo, mas isto nunca foi confirmado. O que se sabe é que, apesar de existirem, ninguém lhes levava muito a sério e isto os incomodava. Sofriam muito.

As pessoas desta comunidade, em suas fantasias, afirmavam com muita pompa terem conquistado estrelas sabidamente inexistentes e algumas outras, embora existissem, sem qualquer relevância; diziam-se possuidores de títulos de nobreza, embora todos sabiam que tais títulos nunca lhes foram outorgados; e, jamais, nunca, em tempo algum, perdiam a pose, mesmo estando enterrados em lodo fecal até o pescoço. Diria um amigo meu, vestiam-se de almirante para andar de pedalinho.

Provavelmente impulsionados pela soberba e devaneio, certo dia, iniciaram a construção de uma casa com tamanho muito além das suas posses e necessidades. Levaram anos construindo. Décadas se passaram e a obra nunca teve fim. A demora era tanto, que quando finalmente puderam habitá-la, mesmo inacabada, já estava antiquada.

A casa possuía 36 andares, mas carecia de infra-estrutura básica. Por exemplo, os banheiros eram em número insuficiente e repugnantes, e os acessos para entrada e saída deploráveis. Mas, apesar das evidentes falhas, gostavam de gabar-se dizendo ser aquele o maior complexo da região, quiçá além das fronteiras conhecidas. É bem verdade que conseguiam acomodar o grande número de visitantes que por lá chegavam uma vez que outra, os quais sempre ocupavam a maior parte das instalações.

Vizinho a este povo azul e amarelo, vivia um povo vermelho e preto. Diferente dos primeiros, este outro era um povo humilde, trabalhador e que tentava vencer na vida com muito esforço e dedicação. Nunca algo lhes fora dado de graça e eram reconhecidos pelos outros povos da região por sempre lutarem com muita raça e determinação. Um povo admirado e tido como exemplo para os demais.

Com uma história bonita desde a sua formação, o povo vermelho e preto teve logo a necessidade de construir a sua casa. Além de serem muito numerosos, relacionavam-se frequentemente com outros povos, não apenas provenientes da região, mas de todo o país, e precisavam de espaço para recebê-los. Como não possuíam riquezas, construíram a casa da forma e do jeito que foi possível, simples, mas com muita união, orgulho e paixão, o que nunca lhes faltou.

Um dia, passados muitos anos, a casa do povo vermelho e preto deu sinais de que não mais resistiria ao tempo. Suas paredes racharam, o teto ameaçou desabar e assim, o povo vermelho e preto ficou sem onde recepcionar seus visitantes. Uma tristeza que comoveu a todos, pois entendiam que o povo vermelho e preto deveria continuar o seu caminho, já que seu trabalho trazia felicidade e esperança não só aos seus habitantes, mas a muitos outros povos.

Sabedor que o povo azul e amarelo possuía uma casa ampla, mesmo que inacabada e com vários problemas, e que necessitavam de dinheiro, o povo vermelho e preto fez uma proposta para alugarem esta casa para algumas ocasiões especiais durante o ano, as quais já estavam agendadas e que não poderiam ser desmarcadas. Com o dinheiro do aluguel, pensavam os do povo vermelho e preto, o povo azul e amarelo poderia resolver vários de seus problemas, tais como, amenizar as dívidas junto a seus fornecedores(sapateiro, açougueiro, quitanda,…), pagar os salários dos seus trabalhadores, contratarem novos e melhores trabalhadores (os que possuíam eram totalmente desqualificados) e, com isto, quem sabe, poderiam até drenar o lodo fecal onde se encontravam e respirarem um ar puro outra vez. Por outro lado, o povo vermelho e preto teria tempo e tranquilidade para reconstruir a sua casa. Bom para todos.

No início até funcionou. Com muita pressão de entidades superiores, o povo azul e amarelo aceitou alugar a sua casa, já que não fazia grande uso mesmo e precisava dos recursos financeiros provenientes do aluguel. Só que, após alguns eventos, a inveja aflorou de forma incontrolável e o povo azul e amarelo surtou. E todos sabemos que a inveja não chega a ser um pecado capital, mas é uma merda. Ao ver o povo vermelho e preto ocupar todo o espaço disponível na casa, todos os 36 andares, algo que nunca, jamais conseguiram fazer, o povo azul e amarelo não aguentou a humilhação e mandou informar que não mais alugaria a casa.

Assim, não apenas o povo vermelho e preto teve prejuízo, mas toda a região sofreu, pois tiveram que procurar espaço em outras regiões, acabando com a renda de muitos que dali tiravam o seu sustento. Mas o pior, foi que o povo azul e amarelo, ficando sem os recursos financeiros, não conseguiu contratar melhores trabalhadores, não quitou as suas dívidas e continuou chafurdando no lodo fecal, talvez por muitos e muitos anos mais.

Este é um conto fictício. Qualquer semelhança com fatos reais é apenas mera coincidência.

Abs.


Ivan H. Schuster

Onda Xavante – Porto Alegre/RS