Diálogo depois de uma quase tragédia | Fabrício Cardoso

Ontem foi um noite fisicamente exigente. Quando acabou o jogo dos Peixeiros, o único que me interessava passando aqui no Goiás, identifiquei nos intestinos o limite do meu sofrimento psíquico. Sem estofo emocional para testemunhar os minutos eternos que viriam, com o Ypiranga podendo nos devolver ao inferno com um golzinho em Erechim, me tranquei no banheiro. Sentei no trono sem nem sequer ligar a luz. Naquela escuridão, metido no ronronar das vísceras, experimentei a solidão de um condenado à morte diante do pelotão de fuzilamento.

Cinco minutos que pareceram 10 anos depois, soergui-me da privada e, a passos vacilantes, fui até o celular. Temi pelo que leria. Mas a profusão de “pqs” e “porra” no uatizápi me devolveu o controle fisiológico e mental. Caí na cama exausto, com se tivesse erguido toras o dia inteiro. Ainda ouvi nosso comandante falar na Pelotense, antes de desaparecer no sono dos justos.

Hoje de manhã, pelo mesmo uatizápi que me trouxe a notícia redentora da noite anterior, mantive o diálogo abaixo com o irmão Nauro Júnior, com quem compartilhei épicas incursões jornalísticas a soldo da Zero Hora. Divido nosso diálogo porque nossas interpretações sobre a noite de horror celebrada pelo Rogério como “uma das mais felizes da vida” diz muito sobre os sentimentos confusos desta manhã.

Nauro Júnior: Cara, escreve um texto defendendo o RZ. Se tu não fizeres, eu faço. É inadmissível que os caras estejam dando pau nele. Mesmo que tivesse caído, teria que mantê-lo. Tem que mudar esta cultura. E o Brasil pode ser exemplo. Vai contratar quem??? O Suca? O Paulo Porto??

Eu: Hermanito, eu não conseguiria fazer isto, porque acho que ele deve sair. Gratidão é uma coisa, subordinação eterna é outra. O que ele fez ontem, na entrevista ao término do jogo, foi um escárnio. Ele se julga maior do que o clube, isto tendo feito os nervos da gente em erupção, nos provocando uma sensação de quase-morte. Foi irônico, desdenhoso do sofrimento que nos impôs, enfim, vi um vício de caráter ali.

Nauro Júnior: Sério?

Eu: Claro. Que mal há em reconhecer erros? Que mal há em examinar seu trabalho a partir do presente, sem buscar no passado recompensas vitalícias? Eu o amo, por entender o clube como nenhum outro treinador entende e talvez jamais entenderá. Mas isto não faz ele maior que o Brasil.

Nauro Júnior: Mas a vida é um fluir contínuo. Olha o Inter… Com uma folha de R$ 7 milhões, ficou em sétimo. Pense que o Rogério é realmente vaidoso. Mas, em um clube como a Brasil, se ele não fica no mínimo mais três anos, o destino será voltar à Série D e à B do Gauchão. Quem não quer ficar com os nervos à flor da pele tem que torcer para o Barcelona. O Xavante quase cair… isto é normal. Não caiu!

Eu: Será?

Nauro Júnior: Ele tem que ficar 10 anos no Brasil. Independente de o Brasil cair ou não. O Brasil não vai melhorar a longo prazo se ele sair. Vai se tornar um clube como qualquer outro, um Novo Hamburgo, um Ypiranga qualquer. O diferencial do Brasil é ele. Pensa nisto.

Eu: Cara, eu respeito a tua opinião. Até porque não estou seguro da minha. Mas os grandes líderes preparam terrenos, não se oferecem como alicerce. Não ficam condicionando tudo a sim mesmo. Aliás, se o Brasil depende de uma pessoa para estar onde está, então não merece. Nosso tamanho é a Série D, mesmo. Porque as pessoas passam, o clube fica. E eu acho que o Rogério, ao colocar-se nesta posição, se torna um messias, não um construtor de um clube novo.

Nauro Júnior: O esporte que o pelotense mais pratica é a reclamação em série.

Eu: Compartilho do teu receio: saindo ele, quem vem? A polêmica é boa, faz nosso clube grande.

Nauro Júnior: O Brasil não depende de uma pessoa. Depende de um projeto a longo prazo. Já vi o Brasil sofrer muito. Assim como sofre o Pelotas. E acho que o que aconteceu ontem faz parte do futebol.

Eu: Ficou patente que o Brasil contratou mal, errou no planejamento. E o que o Rogério faz? Cobra gratidão em vez de fazer autocrítica. Isto é perigoso e pequeno.

Nauro Júnior: Mas penso que o Brasil precisa de nova uma diretoria. Não de novo um treinador.

Eu: Amigo, paro por aqui, porque estou precisando me meter no escuro do banheiro de novo.

Um comentário em “Diálogo depois de uma quase tragédia | Fabrício Cardoso

  1. Roxo

    Interessante o diálogo. Reflete mais ou menos o que acontece hoje na dividida ex-massa Xavante. Há aqueles que, pensando como o Fabrício, são taxados de agourentos, corneteiros, ingratos e,agora, “pseudo-Xavantes”. Nauro, diferente daqueles que simplesmente se recusam a pensar e analisar o motivo da possível saída do técnico, defende sua permanência fazendo crer que, não fosse o RZ, o Clube não cresceria. Pode ser! E concordo com ele que realmente a mentalidade precisa mudar e, ao que parece, não há ninguém que o faça sem a onipresença do técnico. Talvez seja mesmo uma medida de segurança, sim. De gratidão, sim. Diferente da submissão messiânica a que o Fabrício se refere e com quem, aliás, concordo. Falo nesses termos há horas! Aliás, se tem uma coisa nesse país é a tendência ao messianismo que vai da ditadura militar a Tancredo Neves, do Lula ao Temer. Desde quando pensar dessa maneira dependente e terceirizante é saudável? E o pior é que o sofrimento que me faz criticar e querer mudanças que podem trazer saúde ao Clube, diferentemente do destempero e escárnio do técnico ou do presidente falando que não jogaria mais naquela merda (campo sintético do estádio do São José) e desfez um adversário (CLASSIFICADO, presidente) dizendo que não éramos como o Veranópolis, existe exatamente porque não quero rebaixar. Porque não torço contra ou porque não sou grato as pessoas que citei acima. Só entendo que precisamos retomar as rédeas do cavalo antes que ele se mande com as cordas. No meu entender nada e ninguém pode ser maior que a Instituição que remunerou regiamente o funcionário que contratou para fazer o que fez (e muito bem, diga-se de passagem) até perder-se diante do infortúnio e que, ao invés de reconhecer seu papel nisso, diz acerto os erros cometidos agora de maneira a subestimar àqueles que enxergam (independentemente de conhecer futebol como ele) a campanha vergonhosa que fez esse ano no Gauchão e que passou sim pela falta de planejamento e por suas escolhas.

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