O universo já está encolhendo, mas antes seremos campeões | Fabrício Cardoso

por Fabrício Cardoso

Às vezes, repouso a cabeça no travesseiro, entrelaço os dedos atrás da nuca e, mirando o branco do teto, me ponho a pensar no nada. Talvez pela dificuldade de abstração que me assalta a cada nova leitura sobre as descobertas de Stephen Hawking, não é no cosmos que encontro da dimensão da ausência de tudo. Nesses momentos de solidão acentuada pela ignorância, o futebol sempre funciona como remédio.

Pois para mim, o mais perto do entediante vazio que antecedeu o Big Bang é um domingo sem uma partida do Xavante. Desde nossas travessuras traduzidas em dois acessos seguidos, os domingos foram praticamente abolidos do calendário. Agora, a partir de maio, jogamos terça, sexta e sábado. O nada se instaurou em minh’alma.

Sem o amado clube em campo, e sem poder estar viajando num módulo lunar ou num hotel mil estrelas em Dubai, passei a sofrer logo no domingo de manhã. É assim todo outono. Para fugir da tendência de querer trancafiar-me num quarto escuro, decidi fazer um assado no condomínio, para onde me mudei há três meses. A churrasqueira, embora relativamente limpa, não exibia sinais de presença humana recente. Jamais vi fumaça emanar dali. Julguei estar num prédio de vegetarianos.

Eu, nêga veia e os guris nos repoltreamos em contrafilés e maminhas, assadas ao estilo uruguaio, próximo ao carvão em brasa civilizada. A linguiça de frango com pequi, anunciada por mim com estardalhaço, acabou indo apenas para o meu prato – aliás, destino de tudo que leva pequi na nossa casa aqui em Goiás. Vamos jogar aqui três vezes este ano. Se vierem, se atraquem com cuidado, porque tem espinhos. O gosto é parecido com butiá, aquele que me cai do bolso a cada golo do Alisson Farias.

Bueno, depois do churrasco, subi com o peso do estômago inversamente proporcional ao da alma. Nem mais lembrava do nada absoluto, aquele provocado pela falta do Xavante em campo. Assim vivi feliz por dias, até que veio a taxa de condomínio cobrando-me 20% do salário mínimo pelo uso da churrasqueira. Arquejante, corri a reler a convenção dos moradores. Lá está: a taxa é para uso do salão de festa.

Não faz sentido pagar por um churrasco entre família o mesmo que uma celebração de 15 anos com 100 convidados, a maioria adolescentes rindo alto, com perdão do pleonasmo. O impacto ambiental e sonoro é colossalmente contrastante. Recorri à administração do condomínio, que peremptoriamente afirmou:

– Atualizamos a convenção e instituímos a taxa porque estávamos tendo muito problemas.

Aí percebi que não havia nenhuma propensão ao vegetarianismo no prédio. Meus vizinhos só são inteligentes no manejo das próprias economias. É mais barato comer em qualquer restaurante de chef tatuado que aparece na TV do que fazer um churrasquinho despretensioso em casa. E o problema da algazarra e da sujeira regada a álcool? Foi resolvido com notável sucesso.

Agora ninguém mais usa. O nada, aquele que sempre custei a compreender enquanto miro o branco do teto com os dedos entrelaçados atrás da nuca, se apresenta como solução. Estamos diante de um niilismo aplicado à gestão de espaços compartilhados.

Domingo passado, bem sabemos, teve Xavante em campo. Trancafiei-me no quarto, porque, admito, ainda bem que só eu passo por isto, não tenho 200 reais para abanar carvão todo domingo. A janela ficou aberta, não tinha nada de depressivo. Mas o sol só se fez resplandecendo quando metemos o segundo lá em Rio Grande. Gritei como um bêbado em churrasqueira de condomínio. Temo que proíbam internet e TV a cabo, para evitar que eu acompanhe nosso clube. A comemoração se ouviu em Palmas, no Tocantis.

Foi um domingo para durar cem anos.

Maio está chegando e, somando isto à decisão da síndica lá do meu prédio, sinto que o universo parou de se expandir. Começou a se retrair rumo àquele nada primordial, pré-Big Bang, que se assemelha a um domingo sem Brasil de Pelotas ou, aprendi agora, a churrasqueira do meu prédio.

Mas antes, amigos, creiam, seremos campeões.

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